Ciclo das oferendas [Livro de poesia]

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Ciclo das oferendas, Bartyra Soares, Cia Editora de Pernambuco – CEPE, 2007, 83p. (leia no final comentário da autora)

ciclo das oferendasO dia amanheceu encontrando-me a concluir a leitura desta belíssima obra da poetisa Bartyra Soares de quem já fiquei fã desde a primeira leitura com Arquitetura dos sentidos já comentado aqui no blog. (Link para esta leitura).

Esta obra é um livro de poesias que retrata uma Bartyra nostálgica, até triste em alguns versos. A solidão é uma constante nos versos deste livro, já presente desde o primeiro poema de uma série de cinco, e que dá à obra, o título. Para citar apenas alguns poemas, “Ciclo das oferendas I”, “Incentivo ao Eu sozinho”, “Fotografia de uma expectativa” e “Quebra-cabeça” entre tantos outros. A obra mereceu o prêmio Edmir Domingues da Academia Pernambucana de Letras em 2010.

O livro contem 50 poesias, das quais, uma é repetida e, não consegui entender o por quê. Que mensagem a autora quis passar com esta repetição do  primeiro poema? É ele que abre e fecha o livro. Talvez, destacar a importância dele, destacar a razão do título do livro que se evidencia na própria letra.

Em uma das orelhas do livro, que só vim a ler após ter concluído a sua leitura, Lauro de Oliveira, escreve um “Retrato de corpo inteiro” da autora. Sua leitura revela uma análise não só a respeito da poesia de Bartyra, como também acerca da personalidade e da mensagem que a poetisa deseja transmitir com seus versos nesse livro.

Esta mensagem, já antes captada por mim, mesmo antes de ler o quanto dos poemas que foram intitulados “Ciclo das oferendas” e numerados de I a V se destacam no livro, e que, no dizer de Lauro Oliveira, “oferecem a chave para a compreensão de todo o conteúdo poético do livro (…)”.

Percebera neste livro, logo ao iniciar a leitura dos primeiros poemas e,  até mesmo no preâmbulo, nos versos de Saramago escolhidos pela poetisa para introduzir o seu poetar com a beleza singela, porém precisa e original, formada por versos de incomparável sutileza a exemplo do verso que finaliza um deles: “a colheita de abraços e paisagens” (in “Incentivo ao Eu sozinho“) ou ” e os ventos cingindo de ternura as manhãs de neblina e mel.” (In “Ciclo das oferendas I“).

Já neste primeiro poema, Bartyra nos revela sua tristeza, ainda que oculta, no abraço que resta para conduzir as oferendas, mas que acolhe a sua solidão.

bartyra-1Quando nas minhas veias
já nada houver do que te pedi,
ficará o teu abraço
– condutor das oferendas
companheiro da minha solidão.

Esta tristeza que a autora deseja ocultar, se denuncia, como já referi, nestes versos escolhidos de Saramago:

“... um som quase inaudível, como só pode ser o
de umas lágrimas
que vão deslizando lentamente até às
comissuras da boca e aí
se somem para recomeçar o ciclo eterno
das inexplicáveis
dores e alegrias humanas.

Apesar de nesses versos o autor se referir a alegrias, sua mensagem é uma demonstração de sua dor e tristeza, quando enfatiza o som das lágrimas e finaliza ressaltando a palavra dor no ciclo infindável da alternância entre a dor e a alegria.

A pureza e a beleza dos seus poemas, não posso aqui com exatidão expressar, pois, para fazê-lo, teria que transcrever todo o livro. Mais, muito mais que os de Meireles, nos poemas de Bartyra Soares, ela consegue traduzir os detalhes percebidos dos momentos que viveu com sublime candura e poesia. Sua ternura permanece intacta, como demonstram os versos,

… mas na capela do colégio
o olhar do Crucificado
era suave permanência…” (In “Aguaceiro de outubro“)

que inicia com uma imagem precisa e poética “da chuva afogando o muro“.

Sua dor porém se retrata em quase todos os poemas do livro, embora a perspicácia de Lauro Oliveira em sua análise, tenha percebido o que, talvez, seja, na realidade, o que desejou a poetisa transmitir com seus versos nesta obra – o reconhecimento da necessidade imperiosa da presença do outro para alcançar a plenitude do próprio ser.

Mereceu cinco estrelinhas e está, junto com Versilêncios de Gerusa Leal e Arquitetura dos sentidos dela própria, entre os melhores livros que li este ano.

PS – A autora, por ter uma dificuldade de visão e não conseguir acessar o blog diretamente, apenas através de um amigo que lhe envia as postagens transferidas para um sistema especial que permite a pessoas cegas ou com dificuldade de visão, acessarem o computador. Mas, enviou-me por e-mail, uma mensagem muito especial que aqui compartilho, autorizado por ela, com quem vier a ler esta postagem.

Li e reli – e lerei outras vezes – seu comentário… Maravilhoso e
muito me honrou. Sua perspicácia e capacidade de análise são de um
crítico literário arguto, sensível e atento aos detalhes do que
escrevemos. Sabe usar com mestria a palavra e captar além do que dizem as linhas. Vai às entrelinhas e aprisiona sentimentos nem sempre declarados pelo autor. Gostei da citação de Incentivo ao Eu Sozinho. É um dos meus poemas que mais gosto. Parabéns! Obrigada!

Bartyra Soares

Fiquei imensamente feliz e orgulhoso por palavras tão gentis. O que escrevi na postagem foi a mais pura verdade. Não joguei confetes. O versificar desta poetisa é verdadeiramente belo! Receber tantos elogios de uma pessoa que escreve tão bem é, para qualquer escritor, motivo de muito orgulho. É como estou me sentindo: orgulhoso, envaidecido. Muito agradeço por tanta generosidade.

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