Minhas verdades através dos livros
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O escafandro e a borboleta, Jean-Dominique Bauby, Martins Fontes, SP, 1997, 142p.
Tradutora: Ivone Castilho Benedetti

livro-escafandro

O livro é composto de 28 capítulos curtos e um prólogo do próprio autor. É uma autobiografia escrita de forma muito singular que, adiante, vocês irão entender por quê.

Um livro bem interessante, escrito por uma pessoa totalmente paralizada, para todos os movimentos de seu corpo, inclusive do piscar de olhos, exceto do olho esquerdo. E também destituída da fala. O diferencial do livro, é que o autor escreve um relato de sua vida, preso a um escafandro (é como ele representa sua existência), com extremo bom-humor. É uma história cruel com muito bom-humor e um pouco de sarcasmo, sem ser agressiva.

escafandroEscafandro é uma roupa de mergulho, usada para altas profundidades, semelhante a uma roupa de astronauta. Seu material é borracha e metal para suportar a pressão de toda água sobre o corpo. É uma roupa bastante pesada por causa do metal e a comunicação com o exterior é por meio de um duto. Veja fotos ao lado.

 

Já no prólogo, ficamos sabendo o que aconteceu com ele. O livro é a história de um homem que, em virtude de um AVC (Acidente Vascular Cerebral), fica em coma por três semanas e, ao retornar à realidade, se vê prisioneiro de si mesmo, enjaulado em uma situação chamada de Locked-in Syndrome, ou seja, Síndrome do encarceramento, que significa a desconexão do tronco encefálico com o Sistema Nervoso Central, o que causa uma paralisia completa dos movimentos de todos os músculos voluntários do corpo. Isto significa que a pessoa não pode mexer os membros, os dedos, a boca, a língua, os olhos, as pápebras, nada. No caso de Bauby ele conseguia mexer apenas a pálpebra esquerda. Preso no quarto 119 do Hospital Berck, à beira-mar, nas proximidades de Paris. No prólogo, após explicar tecnicamente o que tinha ocorrido ele escreve:

Antes davam  a isso o nome de congestão cerebral, e a gente morria, pura e simplesmente. O progresso das técnicas de reanimação sofisticou a punição. (grifo meu)

Apesar desta ironia em alguns pontos, o livro é delicioso em vários outros, escrito com um bom-humor inacreditável para uma situação como aquela daquele homem de pouco mais de 40 anos. O capitulo do alfabeto, por exemplo, é um passeio. Com um espírito divertido e agradável, ele descreve o processo de como se comunica com as pessoas através de um alfabeto especial inventado, no qual as letras são apresentadas em ordem diversa do normal, vindo antes aquelas que, na língua francesa, tem maior incidência de uso nas palavras; Sendo assim, vem primeiro o E, seguido do S, A, R e, por último, o W, antecedido pelo K, X, Y, Z, em ordem inversa. Entre esssas letras as demais e, ele vai formando as palavras através de piscadas de olho, letra por letra. Em certo ponto ele explica que, algumas pessoas, facilitam o trabalho dele outras dificultam muito mas, ao menos, não faz como os apressados, que sem confirmar, se adiantam completando uma palavra qualquer de forma totalmente diferente do que ele desejava comunicar. Por exemplo: Certa vez ele pediu os óculos (lunettes em francês) e o apressado perguntou pra que ele queria a lua (lune), ou seja, não esperou que ele concluísse a palavra.

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Outro exemplo de extremo bom-humor e também de rara beleza é o capítulo O anjo da guarda, no qual ele fala sobre Sandrine, a ortofonista que cuida dele. Diz ele que descobriu 2 tipos de pessoas na população hospitalar. Um, do tipo de Sandrine, que não pode passar na porta do quarto sem procurar saber se ele precisa de alguma coisa e outra, que “finge” não enxeergar seus apelos desesperados por alguma coisa. Alguns são tão insensíveis que não percebem o interesse dele em alguma coisa como um programa de TV onde era exibida a partida Bordeaux x Munique e desliga a TV com um sonoro boa noite. Mas o mais estraordinário deste capítulo, é a conversa dele com a esposa no telefone. Ele diz que ela não fala enquanto ele não respira ruidosamente junto ao telefone que Sandrine mantem colado à sua orelha.

– Jean-Do, você está aí?, pergunta Florence inquieta no outro lado da linha.
Devo dizer que de vez em quando já não tenho muita certeza.

E eu ficava imaginando a tortura de se falar com alguém querido ao telefone sem poder sequer emitir um som. O silêncio era sua única resposta. Mas, mesmo assim, como era importante para ele aquela atenção, aquele simples gesto de telefonar. Até nós, muitas vezes sentimos essa carência, imagine alguém nas condições de Bauby. Ele era jornalista e editor de uma das revistas mais importantes do mundo da moda – Elle.

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Em 2007 foi lançado o filme homônimo baseado nesta obra pelo diretor Julian Schnabel que, por este filme, recebeu vários prêmios de melhor direção e foi inclusive indicado para o Oscar da categoria naquele ano. O filme também é muito bom e ajuda também a entender melhor alguns detalhes do livro que mereceu quatro estrelinhas. É um livro ótimo que recomendo a todos. Sobre o filme, em breve farei aqui a crítica sobre ele.4-estrelas-red

Quero fazer uma observação aqui. Ao começar a leitura deste livro, não tinha a mínima idéia sobre o que se tratava pois, nunca tinha lido nada a respeito. Imaginei que fosse algo sobre mergulhadores e florestas (borboletas). Alguma história de aventuras. O livro é um relato sério e importante que todo mundo deveria ler para avaliar o quanto é felizardo em ter a vida, os movimentos, a fala… E o quanto é importante boas ações.

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